Enquanto escrevo isto o preto ainda está deitado lá fora encostado ao muro
não bem o preto, mas sim o que eu conhecia ser
pelo escuro, andar desfilante e olhar desafiador a todos os carros que paravam para que ele, sem interromper a sua mais que pausada marcha
atravessasse a estrada
o preto era um gato histórico aqui da rua
divertia-me imenso a sua ligeireza e calmaria
a forma como nunca o vi correr nem fugir de nada
os anos e anos que o preto tinha nem ninguém tinha bem a certeza
o pêlo preto brilhante já cheio de pelinhos brancos denunciava um gato já idoso
e as cicatrizes de lutas constantes por noites a fio a defender o que era dele e só dele há anos contra outros da sua espécie
esta noite o preto jaz ali encostado ao muro naquele que foi o último dia da sua vida
e ainda anteontem o encontrei ali à porta e lhe fiz umas festas que o deliciaram
vê-lo agora assim, entregue por completo à falta de pressa que toma qualquer vida quando esta termina, dou por mim triste ao pensar que nunca mais me divertirei com a calmaria do bichano e das longas sonecas que ele fazia imperturbável no meu quintal
hoje o preto passeia calmamente por um outro lado
sem fugir, calmamente!
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