2.10.12

Não espero ser mais que sou,
da alma que sou, a génese que sou, a alegria que sou
não espero rasgar mais o sorriso, perder o olhar, viver mais que aquilo que vivo agora, ansiar
mas sonho
sonho ser mais forte, sereno, mais fiel, menos terreno, mais aberto,
menos medo
tolerante, latenjante, ser mais carne
menos errante
cometi, como tu, erros mil, ponderei cada um,
assumi
nisto deitei os olhos, mil vezes dormido,
aqui e ali uns sulcos, peso nos olhos
brilhante e ardente, por vezes só,
às vezes gente

A vida deixa faróis acesos por noites a fio e às vezes espera-se gente que não aparece.
Por vezes ao extinguir essa luz aparece outro ser que nos remenda, nos conserta, nos faz crer.
E dessa primeira luz se esquece.
E viver.
Não digo que nunca, não digo para sempre,
prometer é coisa de gente.
Tal como ser.

Escrever deve ser intemporal. Tal como nós somos, ainda que com data de validade na marca física que deixamos no Mundo. Estar feliz é intemporal e, ironicamente, é uma das alegrias que mais tempo consomem na vida - e nunca com a sensação de estarmos a perder.


31.5.12

Alma Mater

Na minha mente escrevo estas coisas mil,
das quais estas que efectivamente escrevo parecem sempre ficar aquém
enquanto o Mundo já só se foca num qualquer estado de facebook,
um whatsapp irrelevante, o próximo tweet, um irrelevante qualquer modo
de exprimir
persiste-se escrever,
mais, é urgente escrever
como se o tempo pudesse acabar a seguir, já farto de persistir na aparente eterna andança da nossa existência
enquanto nos deleitamos com a infantil ideia de eternidade,
esquecemos que importa mais termos um rumo, um futuro
mais, deixar um futuro a quem a nós se seguir
imaginarás alguém ler as tuas palavras daqui a 100, 200 anos, 
se gente houver
com todos os juízos que se poderão fazer, 
de superioridade tecnológica, de distanciamento do nosso simples tempo
como se nós não todos homens, de carne e osso,
cada vez e apenas mais dependentes de máquinas, cada vez mais distantes uns dos outros e do Mundo que nos dá existência,
cada vez mais ignorantes de pôres-do-Sol, de sentir a força das ondas a lembrar a fragilidade do nosso corpo, da adrenalina que nos corre o corpo quando nos colocamos na linha
e nisto sou um quasi-saudosista,
de ter existido num tempo de transição,
em que a nossa dedicação à tecnologia era apenas parcial,
onde namorávamos a miúda gira da escola com olhar e palavras, distantes das distâncias que agora se praticam
e se tudo isto não fôr afinal viver,
se nos tornámos apenas reflexos digitais daquilo que deveríamos ser ou pior, daquilo que desejaríamos ser
então não creio que nos possamos já chamar humanos no sentido lato da palavra
afinal metade homens, metade digital
esquecemos que um dia tivemos um coração,
esqueceremos que um dia ambicionámos ter alma?