18.2.08

Clarividência

A vida que não é filme
ao faltar-lhe argumento ensaiado
realizador a passar perspectiva do Mundo
editor a cortar fora o que não importa e inclusive
público que ao cinema se desloque - ou ao site da esquina - para glorificar ou apupar a obra
fazer da vida uma obra
onde está a fita?
são duas e um quarto da madrugada
o sono consome-me os olhos mas poupa-me os dedos
que de tanto que anseiam escrever em ideias que tenho mantido embebidas ao longo de mais de uma semana não me compete a mim mais tentar
contê-los
chove a potes lá fora na madrugada
como em muitas outras que me lembro em que certamente menos apreensivo
menos cansado
menos só e menos imerso no fundo de um cadeirão ao qual chamar simplesmente um lugar onde te procuro
e nunca fazes por estar
ao não fazeres remeto-me ao silêncio observando
esperando que o título da música faça sentido ou se não
de todo até
que eventualmente me leve a desistir da ideia aceitando que
não tem de ser porque não tem de ser
ou uma qualquer outra forma simplista e circular de fechar uma questão sobre si mesma evitando assim dar-lhe um propósito, porque não?
que dirias tu ao apagares da parede o meu rosto enquanto os dias agora mais vazios e os sons mais distantes se apossavam de ti
eu algures empoeirado e derrotado a preto e branco de cores a esbaterem-se
lembrei-me que terias derramado uma lágrima ou esboçado pelo menos uma expressão apreensiva, zangada pela forma como cedi ao derrotismo do momento
como me perdi
terás pensado em mim e que faria de coisas que apenas coisas são?
respeitá-las-ia eu?
entre todas as coisas que nunca digo que só a mim competem pensar e saber talvez te surpreendesse
ora, talvez não!
de certa forma presumo que a surpresa exija de si mesma uma pré-disposição à partida
o que atiramos para o mais obscuro lugar de nós tem um propósito
matar de fome
deixar morrer
na incapacidade de virar o Mundo ao contrário
se todas as palavras que eu penso pudessem ser realmente escritas que escreveria eu?
ditas, que diria eu?
olhos nos olhos?
vivo imerso nesta questão de não ir além do que me limito a ser
demasiado tempo a limitar ser
limitando o ser
hoje vi ao vento
uma mão
a minha
será de pegar ou deixar que o vento a trespasse fazendo pairar
sozinha?

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